Mudanças Climáticas
Eu estava indo almoçar, descendo morros de bicicleta, e carregava quinhentos cartões em uma sacola bem fininha. E foi numa rua não muito movimentada que a danada arrebentou e espalhou cartões para todo lado. Parei a bicicleta no passeio. Talvez tenha dito um palavrão não muito externado. Voltei, agachei no meio da rua e fui pegando, um a um, cada um deles. Nem pensar em deixar tudo lá. Quer dizer, pensar eu pensei, mas sem chance.
Veio o primeiro carro e desviou bem devagar. Uai, vai parar? Deu uma olhadinha e foi embora. Depois uma moto desviou de mim, espalhou os papéis no chão mais um pouco com seu vento e também se foi. Sem olhadinha, eu acho. Da casa do lado saiu um rapaz, olhou e de repente já estava longe. Por um instante ninguém mais.
Aí vieram três carros de uma só vez e decidi contar quantos passariam. Os dois primeiros desviaram, espalharam um pouco mais o cartões e seguiram. O terceiro eu demorei a perceber que estava lá, no meio da rua, esperando eu dar licença para ele passar. Continuei catando. Ia deixar ele sujar tudo? A contragosto, cansado de esperar, ele desviou, espalhou mais um pouquinho os cartões com seu vento e foi embora.
Então vieram três meninas, indo para escola. Uma delas abaixou e pegou um cartão no chão. Quando vi que não era ajuda, só curiosidade mesmo, pedi que me ajudasse. Disse que não podia, pois tinha que chegar na escola à uma hora. A escola ficava a dois quarteirões e era meio dia e quinze. Por que não disse simplesmente não? Ou nada, como as outras duas que ficaram só olhando?
Passaram mais duas motos, uma bem em cima de tudo quando eu fui pegar alguns mais perto do passeio e espalhou longe os cartões que faltavam. Mas eu já estava quase terminando. Mais dois carros e uma moto e acho que não esqueci nenhum cartão para trás.
Voltei pra bicicleta e segui meio desajeitado umas quatro casas porque não tinha como carregar sem sacola. Já pensou cair tudo de novo? Tinha uma moça no passeio e perguntei se ela tinha sacola. Tenho, sim, disse ela ao se levantar e estranhei quando ouvi: “Você deixou cair todos os papeizinho na rua, né?”. Ela ficou lá sentada assistindo a cena?!
Voltou com duas sacolinhas(!), sentou de novo e, enquanto eu dava a primeira pedalada, me informou: “Caiu outro aí, ó!”. Eu parei e voltei pra pegar.
Seis carros. Três motos. Cinco pedestres. Duas sacolinhas inteiras e uma arrebentada. Quinhentos cartões. O vento produzido pelo vácuo. Eu e a bicicleta.
E a televisão pensando que o fim do mundo vem de mudanças climáticas.
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