Por onde anda o Atchim Nº 3?

Calvin

O Céu... Pode Esperar.

O José Afonso era uma homem bom. Tão bom que até incomodava de vez em quando. As pessoas ficam meio desconfortáveis perto de quem faz as coisas muito certas. E o José Afonso era do tipo que dobra o pijama quando acorda. E guarda. Mesmo depois de quarenta e cinco anos de casados, a Dona Quitinha ainda não tinha se acostumado com isso.
Certa vez, quase chegaram a discutir por causa dele nunca ter se atrasado um diazinho sequer depois do serviço. Não discutiram porque o José Afonso não é do tipo que discute com a mulher.
A única coisa que tirava o homem do sério era o truco. Aí ninguém podia com ele. Tinha carta na manga até quando jogava sem camisa e blefava melhor que pão-duro pedindo orçamento. Não havia quem ganhasse do José Afonso no truco. Não importava o adversário nem o parceiro. Ele sempre ganhava.
O José Afonso pedia nota fiscal em padaria pra não dever nada nem pro governo, mas era o maior ladrão da cidade quando o negócio era baralho. Jamais apostou um centavo. Gostava era do prazer de ganhar.
Mas, como acontece com todo mundo que vive nesse mundo de nosso Deus, um dia o José Afonso bateu a botas. Dormiu e quando acordou já estava lá em cima, esperando na fila do São Pedro. Entrou sem nenhuma restrição. Era cedo ainda, e pôde tomar café com uns amigos velhos e pôr os assuntos em dia.
Passou o dia sendo apresentado aos chefes de departamento e conhecendo as regras da casa. Coisas como dormir cedo e não interferir nos assuntos lá de baixo, ainda que o Flamengo passeie pela zona de rebaixamento. Depois do almoço, já tinha escolhido qual era a melhor sombra pra esperar a Dona Quitinha chegar.
Lá pelas seis, quando o movimento na portaria ficou mais tranqüilo, o São Pedro veio puxar prosa e convidou o José Afonso pra uma partidinha de truco. Nem acreditou. E Pode? Ele estava mesmo no céu!
O São Pedro deixou ele dar as cartas. O José Afonso embaralhou pensativo e foi pro jogo. Não ganhou uma. Cadê coragem pro blefe ou uma cartinha na manga? Mas o São Pedro adorou a companhia e deixou reservadas as suas seis horas da tarde para o truco com o José Afonso por toooda a eternidade.
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3x0 agora f...
Mudanças Climáticas
Eu estava indo almoçar, descendo morros de bicicleta, e carregava quinhentos cartões em uma sacola bem fininha. E foi numa rua não muito movimentada que a danada arrebentou e espalhou cartões para todo lado. Parei a bicicleta no passeio. Talvez tenha dito um palavrão não muito externado. Voltei, agachei no meio da rua e fui pegando, um a um, cada um deles. Nem pensar em deixar tudo lá. Quer dizer, pensar eu pensei, mas sem chance.
Veio o primeiro carro e desviou bem devagar. Uai, vai parar? Deu uma olhadinha e foi embora. Depois uma moto desviou de mim, espalhou os papéis no chão mais um pouco com seu vento e também se foi. Sem olhadinha, eu acho. Da casa do lado saiu um rapaz, olhou e de repente já estava longe. Por um instante ninguém mais.
Aí vieram três carros de uma só vez e decidi contar quantos passariam. Os dois primeiros desviaram, espalharam um pouco mais o cartões e seguiram. O terceiro eu demorei a perceber que estava lá, no meio da rua, esperando eu dar licença para ele passar. Continuei catando. Ia deixar ele sujar tudo? A contragosto, cansado de esperar, ele desviou, espalhou mais um pouquinho os cartões com seu vento e foi embora.
Então vieram três meninas, indo para escola. Uma delas abaixou e pegou um cartão no chão. Quando vi que não era ajuda, só curiosidade mesmo, pedi que me ajudasse. Disse que não podia, pois tinha que chegar na escola à uma hora. A escola ficava a dois quarteirões e era meio dia e quinze. Por que não disse simplesmente não? Ou nada, como as outras duas que ficaram só olhando?
Passaram mais duas motos, uma bem em cima de tudo quando eu fui pegar alguns mais perto do passeio e espalhou longe os cartões que faltavam. Mas eu já estava quase terminando. Mais dois carros e uma moto e acho que não esqueci nenhum cartão para trás.
Voltei pra bicicleta e segui meio desajeitado umas quatro casas porque não tinha como carregar sem sacola. Já pensou cair tudo de novo? Tinha uma moça no passeio e perguntei se ela tinha sacola. Tenho, sim, disse ela ao se levantar e estranhei quando ouvi: “Você deixou cair todos os papeizinho na rua, né?”. Ela ficou lá sentada assistindo a cena?!
Voltou com duas sacolinhas(!), sentou de novo e, enquanto eu dava a primeira pedalada, me informou: “Caiu outro aí, ó!”. Eu parei e voltei pra pegar.
Seis carros. Três motos. Cinco pedestres. Duas sacolinhas inteiras e uma arrebentada. Quinhentos cartões. O vento produzido pelo vácuo. Eu e a bicicleta.
E a televisão pensando que o fim do mundo vem de mudanças climáticas.
Aguarde...
Da série "existe argumento pra tudo": sobre o 4x0 do figueirense

Série Grandes Encontros - Na Praça

Mas, naquela terça-feira, foi diferente. Com um sorriso no rosto e uma trança deitada no ombro, a Idéia Nova, desavisada que só ela, bateu na porta do Certeza. E não se via aquele brilho nos olhos dele desde quando ele conheceu sua primeira Dúvida. Depois disso, a única surpresa que ele havia tido tinha sido a invenção do barbeador de três lâminas. O que não pesava em nada em seu currículo, diga-se de passagem. Mas, pro Grande Amigo do Peito não havia dúvida: a tal da Idéia Nova vinha pra mexer com a vida do cara.
Dizem, e eu não sei se são as Boas ou as Más Línguas, que ele até tinha pensado em mudar de nome. Mas, por fim, nem deu bola às sugestões do Detalhes Desimportantes e mudou mesmo foi a sua maneira de pensar. O Certeza Absoluta, então, se casou com a Idéia Nova e o povo todo já está especulando sobre o que será que vai nascer disso. Antes de viajar pras núpcias, porém, ele disse rápido para os repórteres que não tinha a mínima idéia. É, o mundo, talvez, não esteja assim tão de cabeça pra baixo...
Gavetas

Uma verdadeira guerra fria é o que acontece nas mais diversas gavetas, sejam de roupas, papéis, de casa ou escritório, onde mora aquela tralha toda que a gente nunca sabe de onde veio. E não joga fora porque não se joga fora o que não se conhece. E quem conhece verdadeiramente o interior de uma gaveta? A vida é cheia de lições.
De repente você lembra que anotou aquele telefone naquele pedacinho de papel que se não lhe falha a memória “guardou” na gaveta da estante da sala... ou da cômoda? Do guarda-roupa, quase certeza? Mas não existem certezas quando lidamos com gavetas fechadas. Dizem até que são interligadas de alguma forma misteriosa e brincam com a nossa cara, escondendo as coisas. Eu só acredito vendo, mas ainda não encontrei uma gaveta que me caiba pra tirar a prova.
O fato é que o mundo seria um lugar mais fácil de se viver sem gavetas. Afinal, quanto tempo dura a arrumação de uma gaveta? Um dia ou meia hora dependendo da rotatividade. Teríamos de passar o dia inteiro arrumando as gavetas. Comendo e indo ao banheiro a pequenos intervalos. Talvez até com a porta aberta pra manter a atenção. Mas quem vai pagar a gente por manter as nossas próprias gavetas arrumadas? Com carteira e fundo de garantia e tudo mais? Nem todo trabalho merece sua recompensa, então?
A modernidade é mesmo cheia de males sem soluções ou estudos específicos. E nem me venha com essa história de “cinco ésses” que te finco o pé na beiça.
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