Jornalismo - por João Ubaldo Ribeiro

"A semana que passou trouxe novidades para a imprensa. Não me refiro à extinção da exigência de diploma para o exercício da profissão de jornalista, até porque acho que nada vai mudar muito. A imprensa certamente procurará contratar profissionais de áreas diversas da cominicação para atender a algumas necessidades, notadamente de jornalismo analítico e especializado, mas deverá continuar a dar preferência genérica a profissionais formalmente habilitados, e um diploma de jornalista ainda pesará no currículo.
Grande novidade mesmo foi o anúncio de que o presidente terá uma coluna nos jornais. Ainda não sei direito como é que vai ser, mas fico maravilhado mais uma vez. Aqui acontece de tudo, até mesmo um jornalista militante que, segundo ele mesmo, nunca leu um jornal e sabe apenas que é um papel dobrado, que solta tinta e estaria melhor embrulhando peixe ou reciclado como papel higiênico. Eu ia mencionando também a necessidade de saber escrever, mas me lembrei de um ou dois coleguinhas no passado e manda a honestidade reconhecer que, em certos casos, saber escrever não tem a menor importância. Além disso, os presidentes costumam contar com auxiliares que escrevem para eles, é uma prática universal.
Está certo, mas fico pensando como, se a notícia sobre a coluna for verdadeira, estamos mais uma vez conseguindo feitos sem precedentes. Leremos nos jornais a coluna de alguém que não sabe redigir e que ele sabe nunca lerá o que escreveram por ele. Que é que é para fazer - fingir que é ele quem escreve e que ele sabe do que se trata? Deve ser. Por outro lado, considerando a inescapável função crítica da boa imprensa, ele vai criticar quem? Assim como a imprensa costuma vigiar e criticar os governantes, talves ele critique os governados, quem sabe. Talvez a coluna pegue um nome como "Pito à Nação", ou coisa assim. Creio que estamos até precisando, embora talvez não do teor que ele pensa.
Como daqui a pouco não haverá mais países para ele visitar e assim evitar trabalhar onde devia, imagino que apenas a coluna e o programa de rádio que ele já tem não serão suficientes para distraí-lo. Claro, resta a televisão e não há por que rejeitar a idéia de um Domingão do Lulão apresentado por ele, com quadros como "Topa Tudo por um Cargo", "Você leva e Eu não Vejo", "Se faça sem Força", "A Maracutaia da Semana" e outros, em que serão sorteadas bolsas, cestas básicas, sinecuras na Petrobras e similares."
João Ubaldo
terça-feira, 23 de junho de 2009

UpDate - Melhores Momentos...

MC d AA p CI Nº 7 - A Especialidade

Tempo desses atrás, o pessoal andava meio maniado com esse negócio de especializações. Argumentando que esse mundão é muito cheio de variedade, resolveram simplificar e saíram com a máxima – ou seria mínima? – de que se o cidadão soubesse muito de um assunto só já estaria habilitado a sobreviver por aí. Foi a maior fabricação de gente bitolada e chata que se tem conhecimento na história da humanidade.

E como a vida é sempre carregada de efeitos colaterais, ainda hoje se encontram muitos desses perambulando pelas cidades em busca de um ouvido para suas repetições. Exemplares dessa espécie adoram comparações e conhecem tudo sobre marcas, raças, preços e técnicas de manejo. Têm uma capacidade grande em guardar datas, números e padronizações. Participam de simpósios, congressos e seminários formais sobre o tema. Freqüentam associações, clubes e outros grupos onde as conversas não são nada informais. Daí sua dificuldade.

Para minimizar esse sofrimento, este capítulo do Manual Cotidiano de Assuntos Amenos para Colóquios Informais vem trazer duas de suas dicas:

A primeira coisa a se levar muito em conta é que nem todo mundo, por mais amigo ou amiga que pareça, tem tempo, saco e interesse pra escutar a sua mesma ladainha toda vez que te encontra. Se você só sabe de um assunto, mantenha-se ao menos atualizado, para, na medida do possível, trazer uma novidade, pra variar a conversa um bocado.

Outra coisa – essa bem mais importante: mapeie bem seus interlocutores. Saiba diferenciar aqueles que sabem menos ou mais do que você dentro da sua especialidade, de forma a não levar a conversa mais longe do que deve. Porque deve ser por demais constrangedor ser pego dizendo falácias logo sobre a SUA especialidade.

Portanto, sendo você um especialista confesso, estude mesmo. Seja futebol ou pescaria, automóveis ou bijuteria, informática, passarinho, música ou televisão, se for pra falar sobre um assunto só, que fale direito. Esforçando-se ao máximo pra não ser muito chato. E, de preferência, bem longe de mim.

terça-feira, 9 de junho de 2009

Rei... por João Ubaldo Ribeiro

" Ouso oferecer a hipótese, que acredito ser amplamente corroborada pelos fatos, de que a verdadeira vocação do presidente Lula não é ser presidente. Para isso ele não tem muita paciência, ainda mais com esse negócio se sentar para despachar, estudar, debater, resolver. Deve ser por isso que tem tantos ministros. Aparece um problema e, se ele, muito implausivelmente, já não tem um ministro especial para problemas que aparecem, cria um num piscar d`olhos. Acredito piamente que, se ele pudesse mandar sem governar, ficaria ainda mais feliz. Mandar é ótimo, ter poder é indescritível. Governar é que é chato, não só porque é trabalho, ainda mais para quem nunca trabalhou na vida, como também só traz dor de cabeça, provoca inimizades, chateia nas horas mais incômodas e assim por diante.
A verdadeira vocação dele, continua minha hipótese, é ser rei."
João Ubaldo Ribeiro
sexta-feira, 5 de junho de 2009

Update...

MC d AA p CI Nº 2- Os pobrema

O número dois dos assuntos amenos não é tão ameno assim. No mais das vezes, bem poderia ser evitado em situações corriqueiras e informais. Final de contas, ouvidos alheios carregam já seus próprios problemas. Mas, diante de sua inevitabilidade cotidiana e cultural, pelo menos aprendamos alguns desconfiômetros básicos.

Como vimos na lição anterior, nossa privacidade não deve invadir o constrangimento de ninguém. Este é um ponto que vamos martelar durante todo o aprendizado. E pobremas de qualquer natureza são muito privatizados e nada, nada públicos.

Para simplificar, vamos dividir os problemas em três grupos:

  1. os pobrema de dinhero;
  2. os pobrema de saúde e
  3. os pobrema de família.

(Qualquer outro que não se enquadre nestes três deve ser mesmo grave e recomendo que procure outro manual. )

Os problemas de ordem financeira, antes de mais nada, devem ser conversados de maneira formal com o gerente do seu banco. Informalmente, não deve ser conversado em filas de banco, supermercado ou esquinas. É preciso momentos propícios. Em bares, só é liberado após a sétima cerveja. E não vale chorar.

Os problemas de saúde são assuntos informais liberados só para salas de espera de médicos, postos de saúde e afins, desde que não haja uma televisão ou revista com assunto mais interessante num raio de dois metros. Em bares, costumam virar assunto logo antes da primeira cerveja, ao precisar dizer “não posso”. Limite-se a isso.

Quanto aos problemas familiares, não devem sair da cozinha, na hora do almoço. No caso de uma visita, só deve ser tratado no dia seguinte. Desde que a visita não volte, claro. Casos mais graves devem procurar um terapeuta de família e os gravíssimos, um advogado de família. Como você deve ter percebido, sua utilização informal é praticamente impossível. Em bares, está liberado após a décima primeira cerveja, se por acaso, alguém agüentar um papo brabo desse após a décima primeira cerveja. Sozinho e bêbado é altamente desaconselhável falar sobre problemas de família. Mas num caso desse, que se dane este manual.

Há ainda a possibilidade destes três tipos de problemas se unirem em combinações das mais variadas. Nesta hipótese, você terá coisas muito mais sérias pra resolver do que ler este manual ou participar de colóquios amenos e informais.

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Atualizado 13/07 19h16
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