Pensamentos: se a gente não cerceia, se despenteia.
Uma história sobre prudência, conhecimento e cerveja.
“O cara que deu nome pra ‘filosofia’
ou era um irônico ou não sabia de nada.
É impossível ser amigo dela!
Contra ela travamos severas batalhas”
A PRUDÊNCIA
A prudência é uma espécie de ‘camada de ozônio’ e filtra algumas de nossas animosidades. Ela foi criada por Adão e Eva, assim que eles foram ‘expulsos’ do Jardim (desde o início a dor é a melhor escola...). Antes de Eva comer o fruto da ‘árvore do conhecimento’ não existia prudência. Não existia a consciência do castigo. Por isso mesmo foi o livre arbítrio mais puro da história desse mundão.
A partir da existência da prudência o livre arbítrio passa a não ser ‘tão’ livre mais. Não sei se isso ameniza ou complica mais as coisas. Mas é assim.
Acontece que o álcool faz buracos na ‘camada de prudência’ da gente, que passa a não filtrar os pensamentos que a gente nem sabia que guardava na cachola. Primeiro porque ninguém pára pra definir e decorar suas idéias e ideologias de forma a ficar isento de incoerências e desdizeres. (Tá, talvez alguém faça isso, mas deve ser um chato de galocha e isso não vem ao caso.) Segundo porque o mundo é muito complicado mesmo.
O fato é que sem o filtro da prudência as pessoas se revelam. Os mais brucutus quebram tudo. Os mais chatos sobem na mesa, fazem discurso, aquela coisa toda. Tem gente que chora as mágoas. E você deve conhecer outros muitos tipos estranhos por aí.
Egoísmos, narcisismos, inseguranças, preconceitos e, principalmente, incoerências se revelam nesta hora.
Há quem possa dizer: “Então somos todos uns hipócritas? Escondemos o que realmente somos?” Mas eu digo que não. O hipócrita verdadeiro é aquele que maquia seus defeitos, escondendo lobos em pele de cordeiro. Essa prudência que carregamos em horário comercial é simplesmente o que torna viável o convívio em sociedade e evita uma quebradeira danada. Isso não é hipocrisia!
Digo mais: a prudência que aprendemos quando fomos expulsos do paraíso não esconde nem maquia nossos defeitos, mas os mortifica, lapidando nosso caráter. A prudência faz o preconceituoso aceitar o outro. O egoísta doar. O mesquinho dividir. O narcisista se achar meio feio e o feio ficar cheio de auto-estima. A prudência tem nos mantido vivos desde que roubamos a tal ‘árvore do conhecimento’.
Como eu já desconfiava, o conhecimento NÃO move o mundo. Sem ele, o mundo continuaria girando. Fôssemos macacos, o mundo ainda seria mundo. E, fôssemos macacos, talvez seríamos mais felizes em nossa ignorância, pois a ignorância torna a felicidade mais acessível. Um exemplo disso (e é só um exemplo porque toda generalização é burra) é a facilidade de encontrar pessoas felizes numa roda de samba que não conhece partituras e nomes de acordes do que num congresso internacional sobre a influência barroca na música erudita da sociedade ocidental.
Eu sei: você entende bem o que eu quero dizer e sabe exemplos melhores que o meu.
Então: qual a ‘busca’ mais importante que temos na vida: a felicidade ou o conhecimento? Cada um que abasteça seu alforje e persiga o que quiser.
A grande merda é que não dá pra desmorder a maçã. Não tem volta. Não estou dizendo que o conhecimento seja ruim ou desnecessário. Ele só complica demais as coisas. Deus, que é pai, não queria que a gente comesse dessa fruta, mas não era porque estava com medo de que o abandonássemos. (O que de fato acontece: quanto mais conhecimento, mais longe ‘pensamos’ estar de Deus.). Deus, como pai, simplesmente nos queria evitar o sofrimento. Todo pai quer evitar o sofrimento do filho. Mas não pode impedir isso.
E como não tem volta, depois de mordida a fruta, Deus nos envia a continuar buscando esse conhecimento. Isso é penoso. Destrutivo. Auto-destrutivo até. Quase sempre. E o ‘filtro da prudência’ nos protege dos raios mais fortes, os ultravioleta da incoerência. E da desordem. O conhecimento, além de não mover o mundo, por si só o tornaria inviável. Impraticável. A prudência torna o mundo possível.
Porque essa maçã é muito grandona. Imensa. Seu sabor verdadeiro é desconhecido. E a gente não conhece de verdade aquilo que não sabe o gosto. (Curiosamente a etimologia diz que sabor e saber são palavras irmãs.)
Isso dá uma agonia danada. Por isso que, de vez em quando, a gente precisa ‘pichar uns muros’. Furar a camada da prudência. De preferência fora do horário comercial. E a cerveja, por linhas tortas ou retas, ajuda um bocadinho nisso. Ajuda a revelar as incoerências e mesquinharias de nossa mente perdida. (Mas é recomendável não quebrar tudo ou subir na mesa para discursos.)
E a ressaca nos faz repensar essas incoerências e nos tornar pessoas melhores. Como se a mesa do boteco fosse um confessionário e a ressaca, a justa penitência. Não, longe daqui querer fundar uma nova religião. Só estou aproveitando para falar besteira enquanto a camada da prudência ainda não se restabeleceu.
ENFIM
Se isso virar hábito, escrevo um livro em uma semana. De qualidade duvidosa, eu sei. Mas grande.
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